Uma introdução à Permacultura
O conceito
"permacultura", exposto pela primeira vez em livro em 1978 na Austrália por Bill Mollison e Dave Holmgren (1) (um professor na
universidade e o outro estudante de design ambiental), uniu os termos
"permanente" e "agricultura". Designava um novo sistema
interdisciplinar de planeamento/design ético, ecológico e funcional, para a
escala humana e local, que ambos começaram a formular e a implementar no
terreno, em meados dos anos 70.
Após a segunda guerra mundial, com
tanques transformados em tractores e a indústria química da guerra e do
petróleo reorientadas para a produção de fertilizantes e pesticidas, a
agricultura industrial avançou sobre o planeta e mostrou o seu poder destrutivo
sobre os solos e a biodiversidade dos ecossistemas terrestres. Que fazer? Para
intervir na sociedade e divulgar esta nova metodologia positiva por todo o
mundo, Bill Mollison cria o Instituto de Permacultura e o Curso de Design em
Permacultura. Nos anos 80 leva este curso a alguns países "pobres",
como Zimbabwe, Índia, Botswana e Brasil. O objectivo era treinar formadores,
criar centros de demonstração e formação, e promover a disseminação
descentralizada. A permacultura começava por ser aplicada primeiro na vida dos
"permacultores" e depois usada no planeamento de
"eco-aldeias", projectos comunitários e de escala comercial.
No cerne da
permacultura estão os imperativos éticos de consciência e de responsabilidade pessoal perante a exploração e destruição da Terra e a interrogação "os nossos filhos e netos vão herdar um planeta em melhor
estado do que aquele que nós encontrámos?". É uma atitude radical que
rejeita a organização económica apenas orientada para a maximização do lucro
financeiro e mostra alternativas à agricultura de escala industrial (aquela que
movimenta quantidades massivas de energia e “matéria-prima” de um continente
para outro, escalas de produção ligadas à insustentável, ineficiente e poluente
"máquina"-indústria do petróleo e seus derivados combustíveis, fertilizantes
e pesticidas).
No Manual de
Permacultura (2), em 1988, Bill Mollison definiu:
"Permacultura
(agricultura permanente) é o design e manutenção conscientes de ecossistemas
agriculturalmente produtivos, que têm a diversidade, estabilidade e resiliência
de ecossistemas naturais. É a integração harmoniosa entre paisagem e pessoas,
satisfazendo de forma sustentável as suas necessidades de alimento, energia,
abrigo e outras necessidades materiais e imateriais. Sem uma agricultura
permanente
não existe a possibilidade de uma ordem social estável.
(...) é um
sistema de integração de componentes conceptuais, materiais
e estratégicos num padrão que funciona para beneficiar a vida em todas
as suas formas. A filosofia subjacente à permacultura é a de trabalhar com e não
contra a natureza; de longa e ponderada observação em vez de uma
acção irreflectida prolongada; de ver os elementos dos sistemas em todas as
suas
funções, em vez de requerer deles apenas um produto; e de permitir que
os sistemas manifestem as suas próprias evoluções.
(...) A Base Ética
da Permacultura. 1. Cuidar da Terra 2. Cuidar das
Pessoas 3. Fixar limites ao crescimento populacional e ao consumo:
Governando as nossas próprias necessidades, podemos dispor de recursos
para apoiar as duas primeiras éticas."
"Árvores e plantas anuais e perenes em pequenos espaços: Maximizar o rendimento através da maximização da captação de energia solar, durante todo o ano, através do empilhamento vertical e sinergias entre plantas úteis abaixo e acima do solo é um dos princípios da permacultura".
Durante os anos 80,
o foco deixou de ser somente a regeneração ecológica, a gestão do ambiente e seus recursos materiais, para abranger também
o planeamento dos sistemas que satisfazem as necessidades humanas básicas:
saúde, tecnologia, construções, energia, educação, finanças, economia, organização
comunitária, jurisdição e política. Com a ampliação do leque interdisciplinar,
a permacultura passou a ser definida como um sistema de planeamento que visa
uma "cultura-permanente", além de uma "agricultura-permanente".
O processo de
planeamento implica as tradicionais fases de observação-diagnóstico, análise,
proposta, implementação, e monitorização-avaliação. Nele são conceitos e
valores centrais: observar extensa e perspicazmente, respeitar a Natureza e
tomá-la como modelo, integrar e relacionar num sistema os elementos que
suprimem as necessidades uns dos outros, máximar a re-utilização e a
multifuncionalidade de cada elemento, diversificar a origem de cada bem
essencial, cooperar, pensar globalmente e agir localmente, valorizar aspectos
marginais, não poluir e optimizar recursos, empoderar, criar sistemas
auto-regulados, obter o máximo rendimento com a mínima intervenção, assistir às necessidades urgentes e
básicas das pessoas e das comunidades, transformar problemas em soluções,
eco-literacia, entre outros.
Este planeamento
minucioso e funcional, integra as linguagens da ecologia, biologia,
antropologia, arquitectura paisagista, agricultura ecológica, eco-psicologia,
construção natural, tecnologias apropriadas, desenvolvimento local, economia
ética, educação social, etc.
"Vilas em Transição" é uma metodologia para trabalhar à escala de um
bairro, freguesia ou município, cujo conceito original nasceu num curso de
permacultura em 2006. Com rápida expansão, tem tido grande expressão nas zonas
de maior densidade populacional, por responder aos desafios de criar sistemas
urbanos mais humanizados, resilientes e sustentáveis.
Num contexto de
crise social e económica, e de recorrente aumento do custo dos factores de
produção, o planeamento ecológico assente na permacultura poderá ser uma mais
valia para adequar as organizações e as estruturas produtivas aos desafios que
se adivinham a médio e longo prazo, sejam eles, o acesso à água e a
contaminação dos lençóis freáticos, a desertificação e perda de solos férteis,
o pico do petróleo, o aumento dos fenómenos meteorológicos extremos, o aumento
da toxicidade na cadeia alimentar, o crescimento demográfico e do desemprego, a
injustiça ecológica e social.
Exemplos, em
Portugal, que podem inspirar planeamentos em permacultura:
O livro “Amoreiras
– Permacultura para uma aldeia”
Realizado entre
2010 e 2013, propõe uma visão global e medidas práticas para a Aldeia das
Amoreiras, no concelho de Odemira. Tem edição prevista para Maio de 2014.
O Centro de
Convergência
Um projecto de
desenvolvimento local e de animação socio-educativa, em meio rural
desertificado, fazendo a ponte entre a cidade e o campo.
Documentário
"Alface"
O que
gosta mais aqui na sua horta?
Esta foi a pergunta que iniciou algumas das
conversas registadas no filme. http://vimeo.com/58999047
O “Festival Sons, Saberes e Sabores” em
Chão Sobral
Um evento de escala
familiar e local para uma aprendizagem intergeracional e educação não-formal,
numa aldeia com 100 habitantes na Serra do Açor.
A Comunidade de
Trocas Estrela
Uma comunidade de
pessoas dedicadas à revitalização da economia local usando uma moeda de troca
alternativa e complementar. http://estrela.e-beira.com/
Internet
Em Portugal
(1) MOLLISON, B. e HOLMGREN,
D. Permaculture One: A Perennial Agriculture for Human Settlements. Austrália.
Transworld Publishers, 1978
(2) MOLLISON, B.
Permaculture: A Designers` manual. Austrália. Tagari Publications, 1988
João Gonçalves
30 de Abril de 2014